ORTODONTIA CONTEMPORÂNEA: Ajuste oclusal na Ortodontia: por que, quando e como?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Ajuste oclusal na Ortodontia: por que, quando e como?







Neste artigo de 2008, publicado pela Revista Dental Press, pelos autores Roberto Carlos Bodart Brandão, Larissa Bustamante Capucho Brandão; do departamento de Ortodontia da UFES - Espirito Santo. Apresenta os princípios relacionados ao ajuste oclusal em Ortodontia.

O conceito da multidisciplinaridade no exercício da Odontologia é considerado fundamental para o alcance da excelência nos tratamentos. Neste contexto, cada uma das especialidades precisou rever seu campo de ação, encontrando facilidades e dificuldades durante este processo de evolução.

O conhecimento da oclusão dentária saiu da exclusividade da Prótese, com escolas mais ou menos ortodoxas, para invadir discussões sobre patologia, função e estabilidade em todas as áreas da Odontologia. Embora com alguns paradigmas em aberto, protocolos podem ser definidos para que possamos ter uma linguagem comum a todas as especialidades, e para que parâmetros similares de qualidade sejam alcançados.

Para o ortodontista, o domínio dos conceitos de oclusão normal e das seqüelas do trauma oclusal vai muito além da multidisciplinaridade. De fato, estaremos discutindo neste tópico especial a base da Ortodontia, aquilo que deveria ser considerado em cada paciente atendido, todos os dias no consultório e, principalmente, discutido nas salas de aula e clínicas de pós-graduação. Casos bem finalizados geram maior satisfação de pacientes e profissionais, e diminuem recidivas.

O Glossário de Termos Protéticos da Academia Americana de Prótese de 1999 define equilíbrio oclusal como “a modificação dos formatos oclusais dos dentes com a intenção de igualar as tensões oclusais, produzindo contatos oclusais simultâneos ou harmonizando as relações intercuspídicas”, uma visão que excluía a Ortodontia como recurso para o alcance da melhor oclusão.

É importante considerar que a estabilidade dentária é constituída por um tripé, onde além do equilíbrio oclusal, há necessidade de dois outros fatores estarem presentes. Deve haver uma base óssea hígida que possa contrapor pequenos gradientes de pressão muscular, considerados fisiológicos como, por exemplo, a pressão da língua que, em geral, está levemente mais elevada que a da musculatura orbicular e jugal. A terceira parte que sustenta a estabilização dentária é a musculatura, pois alterações de pressão por função muscular atípica geram forças em intensidade e duração que vão além daquelas geradas pela oclusão dentária excelente e pela higidez óssea. Podemos citar como exemplo: hipertonia do músculo mentalis, causando apinhamento dentário inferior; postura lingual constantemente projetada, promovendo abertura da mordida; e respiração bucal, levando ao estreitamento e projeção do arco superior, mesmo diante dos melhores contatos oclusais obtidos pelo ortodontista.

A melhor posição para o tratamento ortodôntico é aquela que pode ser reproduzida a cada consulta do paciente, e a única posição reproduzível é a RC. Mais do que isto, devemos nos preocupar com parâmetros desde o início do tratamento, para não termos o dissabor de iniciarmos um caso de simples apinhamento dentário em má oclusão Classe I de Angle e nos depararmos, após os primeiros arcos de nivelamento, com uma Classe II divisão 1 com indicação cirúrgica, que precisaria ser justificada ao paciente como erro de diagnóstico. Da mesma forma, podemos evitar o constrangimento de tratamentos intermináveis, pelo simples fato de a cada vinda do paciente uma nova posição mandibular ser encontrada, gerando ativações para movimentações dentárias em direções opostas às realizadas na consulta anterior.

Uma segunda verdade precisa ficar bem esclarecida: má oclusão não pressupõe patologia oclusal. Embora diante de uma desarmonia esquelética e/ou de um desalinhamento dentário, a maioria dos portadores de má oclusão não possui sinais de trauma oclusal, tais como: desgastes dentários, mobilidade, abfração, recessões periodontais nem desordens temporomandibulares. De fato, a movimentação ortodôntica é que gera trauma, e suas seqüelas são menores, quanto mais rápido e controlado for o tratamento. Sabemos que a parafunção, e não a má oclusão, é o principal fator causador de patologias oclusais, e normalmente estas parafunções estão ligadas a fatores psicogênicos múltiplos.

O diagnóstico prévio de parafunções, como apertamento dentário e bruxismo, é mais fácil em indivíduos que apresentem-as com freqüência, especialmente se avaliados na fase aguda. Encontram-se facetas desgastadas, cúspides aplainadas, migrações dentárias com diastemas, mobilidade dentária, limitação da abertura bucal, estalos ou crepitações articulares, dores e edemas musculares. Normalmente não todas, mas algumas destas características estão presentes, dependendo do limiar de tolerância de cada indivíduo, já que algumas partes do sistema estomatognático podem ser mais resistentes ou suscetíveis à hiperfunção da musculatura mastigatória.

Talvez o maior benefício que o conhecimento da oclusão e a conseqüente aplicação do desgaste seletivo trazem para a Ortodontia é tornar factível uma movimentação dentária. Três problemas podem ser evitados com o procedimento de desgaste seletivo durante a movimentação ortodôntica: (1) seqüelas do trauma oclusal - mobilidade excessiva, dor prolongada e reabsorção radicular; (2) atraso para o término do tratamento - movimentos de vai-e-vem do dente e descontrole da mecânica; e (3) intercuspidação inadequada - falta de estabilidade na posição mandibular e risco de movimento dentário indesejável.

Deve-se ter muito cuidado com os excessos. A intercuspidação de dentes posteriores não deve ser estabelecida à custa de desgastes oclusais amplos e indiscriminados. O ortodontista deve movimentar dentes até o limite da compatibilidade anatômica, evitando o ajuste por desgaste, que seria muito mais invasivo. Fechar mordida aberta ampla com ajuste oclusal é procedimento inaceitável, pois além do risco de se gerar sensibilidade dentária, demonstra limitação profissional, que deve ser corrigida com a busca por maior conhecimento e melhor treinamento.

O principal conceito a ser incorporado no treinamento do ortodontista é que não existe arco ideal e nem prescrição ideal, dentre as inúmeras técnicas disponíveis na Ortodontia. Todas as prescrições, inclusive o arco ideal da técnica Edgewise, são estabelecidas para médias e algumas variações de populações. A chance de um paciente se encaixar perfeitamente em todas as características médias é semelhante à de se acertar na loteria. Na finalização, o importante é a capacidade de enxergar o problema, conhecer a solução, dominar a técnica e o aparelho escolhido, intercuspidando os dentes de cada paciente.

É importante que o ortodontista tenha treinamento específico, antes de lançar mão do uso de desgastes seletivos como rotina. O aprendizado deve iniciar em modelos de gesso montados em articuladores semi-ajustáveis como simulador, pois parece ser o melhor caminho para se visualizar os efeitos dos desgastes. Conhecimento e treinamento associados preparam o profissional para reconhecer limites e verificar os objetivos alcançados. Mesmo para aqueles que preferem solicitar o ajuste por desgaste a outros especialistas, são co-responsáveis pelo procedimento, devendo considerá-lo complementar e não substituto daOrtodontia. Talvez a afirmação de Peter E. Dawson - “realizar um procedimento insatisfatório de desgaste seletivo é pior do que deixar uma má oclusão” - devesse ser estendida ao ajuste oclusal feito através da Ortodontia.

O ajuste oclusal não está indicado como substituto do movimento dentário, nem como solução para as limitações do ortodontista. Por outro lado, o procedimento é determinante para diminuir o tempo de tratamento, tornando factível um movimento dentário desejado, evitando muitas seqüelas de trauma oclusal estabelecidas durante o tratamento ortodôntico. Uma leitura da oclusão, através de papel de checagem oclusal, é imprescindível para se verificar que tipo de movimento deve ser realizado e se este é exeqüível, principalmente antes da instalação ou ativação de arcos retangulares.

Desgastes oclusais para correção de discrepâncias anatômicas durante a Ortodontia aceleram a movimentação dentária e melhoram a intercuspidação, por promoverem melhora da forma dos dentes antagonistas. Um refinamento dos contatos oclusais após o tratamento ortodôntico diminui o efeito deletério das parafunções, que podem aparecer a qualquer tempo. O ajuste por desgaste deve ser realizado seis meses após a Ortodontia para corrigir pequenos erros e promover melhor estabilidade oclusal e mandibular, estabelecendo contatos “A”, “B”, “C”, de “parada” e de “equilíbrio”, bem distribuídos. Ao final do procedimento deve haver máxima distribuição de contatos em MIH; carga axial ou quase axial; plano oclusal, dimensão vertical e espaço livre funcional, aceitáveis; e contatos que permitam livre fechamento e movimentos excursivos sem interferência.

O principal objetivo do ajuste é minimizar o uso de contenções, a partir do alcance do equilíbrio oclusal. Nunca é demais salientar que não pode existir a certeza do alcance da estabilidade dos resultados do tratamento só pelo equilíbrio oclusal. Para tanto, haveria também a necessidade da existência da normalidade muscular associada à saúde periodontal.


Link do artigo na integra via Scielo:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participe !