ORTODONTIA CONTEMPORÂNEA: Mordida cruzada posterior: uma classificação mais didática

segunda-feira, 23 de março de 2009

Mordida cruzada posterior: uma classificação mais didática

























Neste artigo de 2008, publicado pela revista Dental Press, pelos autores Arno Locks, André Weissheimer, Daltro Enéas Ritter, Gerson Luiz Ulema Ribeiro, Luciane Macedo de Menezes, Carla D’Agostini Derech, Roberto Rocha; mestre e doutores em Ortodontia pela UERJ, UFRJ, UNESP, PUC-RS. Fizeram uma revisão de toda a literatura ligada as formas de mordidas cruzadas, e depois as classificaram.

No que se refere à classificação das mordidas cruzadas posteriores, a literatura compulsada apresenta-se diversificada e sofrendo diversas modificações de acordo com a experiência de cada autor, permitindo, desta maneira, que haja uma certa dificuldade na compreensão, diagnóstico e tratamento destas más oclusões.

Entende-se por mordida cruzada posterior a relação anormal, vestibular ou lingual de um ou mais dentes da maxila, com um ou mais dentes da mandíbula, quando os arcos dentários estão em relação cêntrica, podendo ser uni ou bilateral.

Moyers classificou as mordidas cruzadas, com base em sua etiologia, em: dentária - quando resultante de um sistema imperfeito de erupção, onde um ou mais dentes posteriores irrompem numa relação de mordida cruzada, mas não afetando o tamanho ou a forma do osso basal; muscular - quando ocorre uma adaptação funcional às interferências dentárias, sendo que os dentes não estão inclinados dentro do processo alveolar, porém, apresentando um deslocamento da mandíbula e um desvio da linha média; e óssea - que ocorre em conseqüência de uma discrepância na estrutura da mandíbula ou maxila, conduzindo a uma alteração na largura dos arcos. Esta má oclusão pode se apresentar uni ou bilateralmente, bastando, para o diagnóstico definitivo, posicionar a mandíbula de tal maneira que haja coincidência das linhas médias inferior e superior, uma vez que vários pacientes com mordida cruzada unilateral poderiam ser portadores de uma constrição bilateral do arco.

McDonald e Avery classificaram a mordida cruzada posterior em óssea - quando a mesma era resultante de discrepância na estrutura da mandíbula ou da maxila, podendo existir uma discrepância na largura dos arcos, e uma inclinação lingual dos dentes superiores; dentária - quando a má oclusão era resultado de um sistema imperfeito de erupção dentária, apresentando um ou mais dentes em relacionamento de mordida cruzada, porém, não apresentando irregularidade alguma no osso basal; e funcional - quando a má oclusão era decorrente de um deslocamento da mandíbula para uma posição anormal, porém mais confortável para o paciente. É importante observar que na mordida cruzada funcional não ocorriam sinais de discrepância nas linhas médias superior e inferior quando a mandíbula encontrava-se em posição de repouso, porém apresentando desvio da mandíbula, no sentido da mordida cruzada, quando os dentes entravam em oclusão.

Proffit et al. classificou as mordidas cruzadas posteriores em: esqueléticas - quando resultantes de uma maxila estreita ou de uma mandíbula excessivamente larga; dentárias - quando a base da abóboda palatina apresenta-se normal, mas os processos dentoalveolares inclinavam-se para lingual; dentoalveolares - quando ocorria uma inclinação dos dentes e respectivos alvéolos superiores no sentido lingual, ocorrendo também uma atresia da maxila, porém não sendo observado aprofundamento da abóboda palatina e funcional, quando ocorria desvio da mandíbula
em função de contatos deflexivos.

Quanto à etiologia das mordidas cruzadas posteriores, há diferentes fatores como prováveis causadores da referida má oclusão tais como a respiração bucal, hábitos bucais deletérios, perda precoce ou retenção prolongada de dentes decíduos, migração do germe do dente permanente, interferências oclusais, anomalias ósseas congênitas, falta de espaço nos arcos (discrepância entre o tamanho do dente e o tamanho do arco), fissuras palatinas e hábitos posturais incorretos.

A grande maioria dos casos de mordida cruzada posterior manifesta-se unilateralmente. No entanto, com a mandíbula manipulada em relação cêntrica, quase sempre se observa comprometimento de ambos os lados do arco dentário, havendo uma relação de mordida de topo bilateral, provocando instabilidade oclusal, levando a um desvio da mandíbula, quando então o paciente busca uma posição mais confortável.


MORDIDA CRUZADA FUNCIONAL

Diagnóstico inicial

O paciente, quando observado em norma facial frontal, apresenta assimetria facial por desvio em lateralidade da mandíbula. Ao exame intrabucal em MIH observa-se a presença de mordida cruzada unilateral e desvio de linha média inferior para o lado da mordida cruzada . Devido à memória muscular, geralmente ocorre assimetria mandibular mesmo quando a mandíbula se encontra em posição de repouso.

Diagnóstico definitivo

Para se obter o diagnóstico definitivo, a mandíbula é manipulada em relação cêntrica, a fim de se
observar o relacionamento dentário posterior. O paciente apresenta mordida cruzada funcional quando, em relação cêntrica, não ocorre mais a presença de mordida cruzada posterior, observando-se contato prematuro de algum elemento dentário, geralmente em caninos decíduos. Nos casos de mordida cruzada funcional não ocorre real atresia maxilar, mas somente uma acomodação mandibular para a melhor intercuspidação dentária, com o objetivo de desviar dos contatos prematuros. Geralmente a mordida cruzada funcional ocorre muito precocemente, na dentadura decídua. Esta mordida cruzada, quando não tratada neste período, tem tendência a evoluir para uma mordida cruzada verdadeira, pois a mesma pode ter sua etiologia em algum hábito, como respiração bucal, sucção de dedo ou chupeta. O tratamento indicado é o desgaste seletivo em dentes decíduos, para eliminação de interferências oclusais.


MORDIDA CRUZADA ESQUELÉTICA OU DENTOALVEOLAR POSTERIOR BILATERAL COM DESVIO DE MANDÍBULA

Diagnóstico inicial

Ao se observar o paciente em norma facial frontal, constata-se assimetria facial por desvio em lateralidade da mandíbula, exatamente igual aos casos de mordida cruzada funcional. Ao exame intrabucal em MIH, observa-se a presença de mordida cruzada unilateral e desvio da linha média inferior para o lado da mordida cruzada, semelhante ao observado na mordida cruzada funcional.

Diagnóstico definitivo

Ao se manipular a mandíbula para posição de RC, observa-se uma relação posterior bilateral de topo-a-topo, ou seja, contato das cúspides vestibulares dos dentes superiores com as cúspides vestibulares dos dentes inferiores, demonstrando uma atresia maxilar ou , mais raramente, sobreexpansão mandibular. Como esta relação de topo-a-topo é muito desconfortável, o paciente desvia a mandíbula para um dos lados, parecendo então se tratar de mordida cruzada unilateral. Portanto, o diagnóstico em RC indica a necessidade de expansão simétrica da maxila, pois o problema é bilateral e não unilateral.


MORDIDA CRUZADA ESQUELÉTICA OU DENTOALVEOLAR POSTERIOR BILATERAL SEM DESVIO MANDIBULAR

Diagnóstico inicial

Ao se observar o paciente em norma facial frontal, o mesmo não apresenta assimetria evidente, pois não há desvio de mandíbula. Entretanto, intrabucalmente em MIH, é verificada a presença de mordida cruzada posterior bilateral caracterizada por atresia maxilar acentuada, pois as cúspides vestibulares dos dentes superiores ocluem no sulco principal dos seus respectivos antagonistas. É observada coincidência das linhas médias, exceção feita para os casos clínicos onde está presente um desvio de origem dentária.

Diagnóstico definitivo

Conclui-se que o paciente é portador de uma mordida cruzada posterior esquelética bilateral sem desvio de mandíbula quando, após a manipulação em relação cêntrica, constata-se o mesmo relacionamento dentário posterior verificado em MIH. Os casos de mordida cruzada esquelética posterior bilateral possuem, geralmente, maxila atrésica e/ou inclinação vestibular dos dentes superiores posteriores bilateralmente. Neste caso, diferentemente da mordida cruzada posterior bilateral com desvio mandibular (em que a oclusão em topo das cúspides vestibulares dos dentes posteriores promove desvio mandibular), como a atresia de maxila é maior, as cúspides vestibulares superiores ocluem no sulco principal dos dentes inferiores, resultando numa oclusão estável e sem desvio mandibular. Desta forma, há necessidade de expansão simétrica da maxila de uma maneira mais acentuada, pois a atresia é importante.


MORDIDA CRUZADA ESQUELÉTICA OU DENTOALVEOLAR POSTERIOR UNILATERAL UM DESVIO MANDIBULAR

Diagnóstico inicial

A exemplo da mordida cruzada funcional e mordida cruzada posterior bilateral com desvio mandibular, no exame facial em norma frontal o paciente apresenta assimetria facial pelo desvio em lateralidade da mandíbula. Durante o exame intrabucal em MIH é observada mordida cruzada posterior unilateral com desvio de linha média inferior para o lado do cruzamento.

Diagnóstico definitivo

No diagnóstico definitivo desta má oclusão, se ao ser realizada a manipulação da mandíbula em RC for constatada a permanência da mordida cruzada unilateral, verifica-se uma mordida cruzada posterior esquelética unilateral com desvio de mandíbula, pois o paciente desvia a mandíbula em MIH, devido a contatos prematuros desconfortáveis, quando em oclusão.

Ao se analisar o arco maxilar numa visão posterior, constata-se a atresia do lado da mordida cruzada, demonstrando um arco assimétrico, indicando a necessidade de expansão assimétrica, com mais ação do lado da mordida cruzada. Já no arco inferior, geralmente é observada uma verticalização dos dentes do lado da mordida cruzada, como conseqüência da oclusão invertida deste lado.


MORDIDA CRUZADA ESQUELÉTICA OU DENTOALVEOLAR POSTERIOR UNILATERAL SEM DESVIO MANDIBULAR

Diagnóstico inicial

Durante o exame facial em norma frontal, não se verifica assimetria facial, pois a mandíbula não apresenta desvio ou assimetria. Intrabucalmente, em MIH, o paciente apresenta coincidência de linhas médias e presença de mordida cruzada unilateral, com as cúspides vestibulares superiores ocluindo no sulco principal dos dentes inferiores.

Diagnóstico definitivo

Com a finalidade de se diagnosticar definitivamente a referida má oclusão, a mandíbula deve ser manipulada em RC, a fim de se verificar o padrão oclusal. Será, então, classificada como mordida cruzada posterior esquelética unilateral sem desvio de mandíbula quando o referido padrão de oclusão, já constatado em MIH, for novamente observado em RC. Quando realizado o exame do arco superior, este apresenta atresia no lado da mordida cruzada, enquanto, geralmente, no arco inferior ocorre uma verticalização dos dentes do lado do cruzamento da mordida.


MORDIDA CRUZADA POSTERIOR DENTÁRIA COM DESVIO MANDIBULAR

Diagnóstico inicial

Durante o exame facial em norma frontal é observada assimetria facial por desvio mandibular. Em MIH, o paciente apresenta um ou dois elementos dentários posteriores com assimetria em relação aos outros dentes e em mordida cruzada com seu antagonista. A presença de contatos prematuros faz com que a mandíbula seja desviada para um dos lados, na tentativa de um relacionamento oclusal mais estável, portanto há desvio de linha média inferior para o lado do cruzamento. Os arcos dentários apresentam-se normais, não sendo observada nenhuma atresia esquelética dos mesmos.

Diagnóstico definitivo

Conclui-se que o paciente é portador de uma mordida cruzada posterior dentária com desvio mandibular quando, em RC, observa-se a presença de um ou dois elementos dentários em mordida cruzada com os seus antagonistas, devido à inclinações axiais errôneas, sem componente esquelético, indicando somente correção destes dentes, posicionando-os corretamente em suas bases alveolares.


MORDIDA CRUZADA POSTERIOR DENTÁRIA SEM DESVIO MANDIBULAR

Diagnóstico inicial

Durante o exame facial em norma frontal, não é verificada assimetria facial, pois a mandíbula não
apresenta desvio ou assimetria. Em MIH, o paciente apresenta um ou dois elementos dentários posteriores com assimetria em relação aos outros dentes e em mordida cruzada com seus antagonistas. Devido à ausência de contatos prematuros não se observa desvio da linha média inferior. Os arcos dentários apresentam-se normais, não sendo observada nenhuma atresia esquelética dos mesmos.

Diagnóstico definitivo

Conclui-se que o paciente é portador de uma mordida cruzada posterior dentária sem desvio mandibular quando, em RC, apresenta o mesmo padrão oclusal que em MIH, ou seja, presença de apenas um ou dois elementos dentários em mordida cruzada, devido a inclinações dentárias errôneas, sem comprometimento esquelético, portanto, indicando a correção destes elementos dentários para suas posições normais, tornando-os simétricos em relação aos outros.


MORDIDA CRUZADA POSTERIOR VESTIBULAR TOTAL

Essa má oclusão, também conhecida como síndrome de Brodie, se caracteriza por uma relação anormal no sentido vestíbulo-lingual entre a maxila e a mandibula, onde a maxila engloba toda a mandíbula, ou seja, em mordida cruzada vestibular total. Esta má oclusão pode resultar de uma maxila excessivamente larga, de uma atresia severa da mandíbula ou ainda uma combinação destas duas situações. Em MIH observa-se que o arco maxilar está totalmente por vestibular em relação ao arco mandibular, englobando-o de tal modo que os dentes superiores posteriores não ocluem com seus antagonistas. Em RC ocorrerá o mesmo relacionamento encontrado em MIH, confirmando o diagnóstico definitivo de mordida cruzada posterior vestibular total.

Dependendo da gravidade desse tipo de mordida cruzada, o caso poderá ser tratado somente ortodonticamente ou com auxílio de cirurgia.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto ao recurso terapêutico a ser utilizado, o profissional deverá dispor daquele que melhor se adapte ao problema do paciente, considerando as atresias mais importantes ou menos importantes, que podem ser somente dentárias, dentoalveolares ou nas formas mais graves, esqueléticas.

Quanto à época ideal de tratamento, a mesma deve ser o mais precoce possível, desde o momento em que o paciente aceite o tratamento, para que a correção permita um crescimento adequado sem assimetrias, pois as mesmas poderão se tornar definitivas se a mordida cruzada não for tratada precocemente.


Link do Artigo na Integra va Scielo:

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