Neste artigo de 2009, publicado pela Revista Dental Press, pelos Autores Prof. Dr. Alberto Consolaro, Valdomiro Rebellato Júnior, Maria Fernanda M-O. Consolaro, José Antônio Rebouças de Carvalho Júnior; da FOB-USP e da Pós-graduação da FORP-USP e da Cirurgia Bucomaxilofacial UNESP-Araçatuba - São Paulo. Mostra um grande problema da disjunção maxilar, a reação inflamatoria da mucosa do palato.
A anatomia do palato, em especial a vasculatura responsável pelo seu aporte sanguíneo, deve ser mais um dos fatores considerados no planejamento da disjunção palatina, especialmente na confecção do aparelho. Essa disjunção está indicada para aumentar as medidas transversais da face. Esse aumento é obtido às custas da separação das maxilas, com posterior ossificação do espaço conseguido na sutura palatina mediana. Esse procedimento é realizado entre os 10 e os 15 anos de idade, mas na idade adulta também pode-se conseguir resultados satisfatórios. O aparelho disjuntor das maxilas mais utilizado, desde 1961, é o disjuntor tipo Haas. A eficiência dos aparelhos disjuntores palatinos dentomucossuportados vai depender da frequência, intensidade e duração da força da estrutura acrílica sobre o palato e da estrutura metálica sobre os dentes.
A necrose isquêmica caracteriza a alteração conhecida como infarto, um termo muito conhecido e aplicado no miocárdio, mas que pode ocorrer em várias partes do corpo. O infarto, ou a necrose isquêmica, pode ocorrer no palato e afetar especialmente as glândulas salivares, pelo fato de suas células acinares – aquelas que produzem a saliva – apresentarem um alto grau de diferenciação e serem muito sensíveis à falta de oxigênio. Em estado de hipóxia, as células acinares podem necrosar, mas as células dos ductos glandulares e as células mioepiteliais resistem e persistem, podendo até modificar o seu fenótipo de células ductais para células de epitélio estratificado pavimentoso ou escamoso, assim chamado pela sua propriedade de esfoliar-se como escamas quando reveste uma superfície corporal. Mudanças de fenótipos em células e tecidos maduros recebem o nome de metaplasia e, nesse caso, são identificadas como metaplasia escamosa.
Os sinais e sintomas clínicos desse infarto anêmico das glândulas salivares palatinas, ou Sialometaplasia Necrosante, podem aparecer em decorrência de traumatismos locais após a ingestão de alimentos duros como os churrascos, traumatismos físicos acidentais na mucosa bucal, após injeções anestésicas e outras causas que possam comprimir as artérias responsáveis pelo suprimento sanguíneo de uma determinada área. Na anamnese desses casos, geralmente consegue-se recuperar algum fato que justifique essa necrose local. A Sialometaplasia Necrosante não é exclusiva do palato duro e pode ocorrer também em outras partes da mucosa bucal, como na língua, lábios e soalho bucal.
O aspecto clínico da ulceração promovida pela Sialometaplasia Necrosante representa uma lesão inflamatória benigna, mas é comumente confundida e diagnosticada clinicamente, e até microscopicamente, como Carcinoma Mucoepidermoide e Carcinoma Espinocelular. Microscopicamente, o patologista também pode confundir-se e o diagnóstico desse tipo de carcinomas pode ser estabelecido em laudos histopatológicos. A Sialometaplasia Necrosante representa uma lesão autolimitante pela autorresolução, sem maiores consequências quando comparadas às promovidas pelo Carcinoma Espinocelular e Mucoepidermoide e/ou pelas sequelas de seus tratamentos. Os sinais e sintomas são dor, febre, ardência e parestesia, os quais não acontecem simultaneamente em todos os casos. A reparação ocorre em aproximadamente cinco semanas. Pode-se prescrever analgésicos, anti-inflamatórios e antibioticoterapia para a prevenção de infecções oportunistas.
A ulceração na mucosa palatina observada durante as disjunções ocorre eventualmente na clínica ortodôntica e pode ser considerada iatrogênica, mas não tem esse caráter na maioria dos casos. A parte acrílica dos disjuntores dentomucossuportados pode comprimir as artérias palatinas e induzir a Sialometaplasia Necrosante no palato duro. Na prática clínica ortodôntica, quando ulcerações ocorrem na disjunção palatina, as seguintes causas podem ser atribuídas:
1. ossificação da sutura e impedimento de sua abertura, concentrando as forças aplicadas sobre a mucosa e os dentes. Quando isso ocorre, o paciente geralmente demorou excessivamente para procurar a orientação do profissional, mesmo com sintomatologia muito dolorosa.
2. ativação inadequada, por parte do paciente, durante a aplicação das voltas no parafuso do aparelho;
3. quebra do aparelho e ação indevida do acrílico sobre a mucosa palatina;
4. ancoragem dentária inadequada ou insuficiente, ineficiente na transmissão das forças do parafuso expansor, gerando vestibularização dentária e consequente sobrecarga no palato.
O conhecimento prévio da vasculatura e suprimento sanguíneo do palato duro levará ao planejamento mais adequado da área de contato da parte acrílica do aparelho com a mucosa. O palato é irrigado anteriormente pela artéria esfenopalatina e posteriormente pelas artérias palatinas maior e menor. Na altura do canino, essas artérias podem anastomosar. Na submucosa palatina há muitas glândulas salivares menores, especialmente na sua metade mais posterior. Na metade anterior do palato, o tecido conjuntivo da submucosa é bem fibroso e muito fino. Logo abaixo do epitélio, entre as suas cristas, temos as papilas conjuntivas, mas imediatamente abaixo se encontra uma submucosa fina e fibrosa que se une diretamente ao periósteo. O periósteo representa a principal fonte sanguínea para o osso.
Na disjunção palatina, há tempo e força suficientes para o acrílico do aparelho comprimir a artéria palatina maior, o principal vaso sanguíneo do palato duro, provocando isquemia e necrose da submucosa palatina e resultando no infarto das glândulas salivares menores ou Sialometaplasia Necrosante com ulceração no palato duro. Os aparelhos disjuntores palatinos, em quase sua totalidade, são confeccionados independentemente das particularidades da vascularização palatina e, até o estudo de Rebellato Júnior em 2003, nenhum protocolo de manufatura havia sido desenvolvido visando evitar a ocorrência dessas lesões. A Sialometaplasia Necrosante no palato foi relatada pela primeira vez em 1973 por Abrams, Melrose e Howell, mas nunca foi relacionada ao uso de aparelhos disjuntores palatinos. A compressão da mucosa bucal pode lesar internamente os vasos e provocar a sua obstrução total. Os componentes teciduais mais sensíveis à hipóxia podem necrosar rapidamente. A inflamação periférica tenderá a expulsar os tecidos necrosados, promovendo uma ulceração.
Na disjunção maxilar, a anatomia do palato, em especial a vasculatura responsável pelo seu aporte sanguíneo, deve ser mais um dos fatores a ser considerado. A compressão das artérias palatinas pode ocorrer durante a disjunção maxilar e promover a necrose tecidual da submucosa palatina, inclusive das glândulas salivares menores, promovendo uma ulceração da área. Isso pode ser evitado apontando-se, com marcações nos modelos, a localização da artéria palatina maior, indicando, assim, durante a confecção de aparelhos disjuntores dentomucossuportados, os locais de alívios e contornos adequados da sua parte acrílica.
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