ORTODONTIA CONTEMPORÂNEA: Biocompatibilidade dos materiais em Ortodontia: mito ou realidade?

sábado, 23 de janeiro de 2010

Biocompatibilidade dos materiais em Ortodontia: mito ou realidade?











Neste artigo de 2009, publicado pela Revista Dental Press, pelas autoras Luciane Macedo de Menezes, Maria Perpétua Mota Freitas, Tatiana Siqueira Gonçalves; da Faculdade de Odontologia da PUCRS - Rio Grande do Sul. Aborda este tema que as vezes passa despercebido pelo profissional, mas de muita relevância para o conforto e segurança do paciente. Um belo artigo.

É notável, nos últimos anos, uma crescente preocupação com a biocompatibilidade dos materiais odontológicos. Não se sabe se esse fato está associado a um aumento real na frequência de alergia aos materiais ou a um maior cuidado com os efeitos colaterais provocados pelos mesmos. Como nenhum material dentário é absolutamente seguro, sua seleção deve ser baseada na garantia de que os benefícios se sobreporão aos riscos biológicos.

Na maioria dos casos em Ortodontia, as reações de hipersensibilidade apresentam manifestações locais, podendo, eventualmente, causar desordens sistêmicas. Com isso, a preocupação em relação à segurança e saúde geral do paciente tem sido objeto de estudo na literatura, uma vez que grande parte dos aparelhos e dispositivos utilizados na especialidade é composta por elementos químicos relacionados a alterações no sistema imune.

A realização da anamnese – um dos elementos essenciais de diagnóstico em Ortodontia – deve fazer parte da rotina da primeira consulta. A anamnese deve conter um breve histórico da saúde geral do paciente, assim como um bom questionário, que abranja também perguntas relacionadas à ocorrência de alergias e reações de hipersensibilidade. Assim, o primeiro passo é incluir, na consulta inicial, algumas perguntas relacionadas a alergias: “Você apresenta/apresentou algum tipo de reação alérgica a medicamentos, metais, borracha, resinas,ou outro produto ou material?”.

Tendo o paciente relatado algum tipo de alergia, o segundo passo seria encaminhá-lo a um médico (alergista ou dermatologista) para avaliação mais aprofundada. O médico poderá requerer a realização de um Teste de Contato, para confirmação das respostas alérgicas. Esses testes têm como objetivo avaliar a resposta da pele frente a diferentes substâncias. Porém, questiona-se a validade dos mesmos, pela possibilidade de apresentarem “falsos positivos” e de sensibilizarem o paciente.

Dentre os materiais mais frequentemente associados às reações alérgicas podem ser citados os elásticos derivados do látex, resinas acrílicas e compostas, bem como as diversas ligas metálicaspresentes nos acessórios e fios empregados nos tratamentos ortodônticos.

Metais

Os metais são considerados as toxinas mais antigas. Inicialmente, havia grande preocupação com
os efeitos agudos determinados pelos íons metálicos, entretanto, esses efeitos são considerados incomuns, devido aos padrões ambientais e ocupacionais que regem as regulamentações legais. Dessa forma, tem aumentado o interesse acerca das alterações crônicas ou de longo prazo, visto que a relação causa-efeito nem sempre é imediatamente perceptível, podendo ter efeitos subclínicos.

Embora as interações entre uma liga metálica e os tecidos possam ocorrer de diversas formas, a liberação de elementos da liga na cavidade bucal é o foco primário dos estudos, visto que efeitos biológicos adversos – como alergias e inflamação – têm sido atribuídos a esse processo, em virtude da liberação iônica advinda dos aparelhos ortodônticos poder, hipoteticamente, aumentar a concentração dos íons no corpo, acima da concentração de ingestão ou exposição aos metais pelo meio ambiente. Outro ponto de fundamental importância na avaliação do emprego de metais pesados na Ortodontia é o seu potencial genotóxico, citotóxico e carcinogênico, uma vez que elementos metálicos como o níquel e o cromo apresentam resultados positivos relacionados à toxicidade genética.

Um dos pontos determinantes da biocompatibilidade das ligas metálicas em Odontologia é a resistência à corrosão. A corrosão representa uma perda de metal ou sua conversão num óxido. No ambiente úmido da cavidade bucal, todas as ligas sofrem corrosão, pelo menos em alguma extensão. A saliva é um ambiente ativo de constituintes orgânicos, íons e não-eletrólitos que são arrastados constantemente contra os anéis, braquetes e arcos. As diferenças galvânicas entre a saliva e os metais podem dar início a reações eletroquímicas, gerando a corrosão galvânica, que geralmente se manifesta pelo processo corrosivo acelerado dos metais menos nobres (ânodos). O aparelho ortodôntico representa um exemplo típico, cuja corrosão pode causar sérias implicações clínicas que variam da perda de dimensão – resultando em forças menores aplicadas aos dentes – à falha (quebra) do aparelho em regiões de tensão. Além disso, a produção de possíveis produtos tóxicos da corrosão dos aparelhos e sua absorção pelos tecidos circundantes é indesejável.

Na literatura, é grande a diversidade de trabalhos com enfoque na liberação de íons metálicos de braquetes ortodônticos – principalmente ferro, cromo e níquel, que representam os principais produtos da corrosão do aço inoxidável. Entretanto, de acordo com o International Register of Potentially Toxic Chemical of United Nations Environment Program, outros íons metálicos, presentes na solda de prata utilizada na aparelhagem ortodôntica – como o cádmio, o cobre e o zinco – podem ser liberados na cavidade bucal e já são considerados produtos químicos potencialmente perigosos, sendo incluídos na lista de substâncias e processos considerados de grande risco para a vida humana. Em estudo sobre a liberação iônica e citotoxicidade da solda de prata, Freitas observou alta toxicidade desse material para fibroblastos, denotando alterações na adesão, proliferação e crescimento celular, bem como liberação significativa dos íons constituintes da solda de prata, com concentrações elevadas imediatamente após a instalação do aparelho, em ordem decrescente, de cobre, prata, zinco e cádmio, representando risco de absorção e retenção desses íons pelo organismo humano.

Em decorrência da liberação iônica, a utilização de aparelhos ortodônticos tem sido associada a algumas reações de hipersensibilidade. Dentre os metais, o níquel tem sido considerado uma das causas mais comuns da dermatite de contato. Infelizmente, a associação com o níquel faz parte da vida moderna e, devido à onipresença do mesmo, as reações a esse metal apareceram com muito mais frequência na população em geral, e não são mais exclusivas dos funcionários da indústria, como era observado anteriormente. O cromo também está relacionado a reações de hipersensibilidade, sendo apontado como a segunda causa mais frequente de dermatite de contato. Em média, 8% da população é sensível a esse metal.

Na Alemanha, o Departamento Federal de Saúde recomendou que não se utilizem acessórios contendo níquel em Ortodontia. Assim, os fabricantes estão produzindo braquetes livres de níquel, utilizando novas ligas. O titânio, apesar de ser muitas vezes mais caro do que o aço inoxidável, vem sendo utilizado para confecção de acessórios. Os braquetes de titânio puro apresentam maior tolerância tecidual, maior biocompatibilidade e resistência, quando comparados aos de aço inoxidável. Os braquetes denominados “nickel-free”, geralmente compostos por cromo e cobalto, também podem ser empregados como material alternativo para pacientes com sensibilidade ao aço. Nesse contexto, não se pode deixar de ressaltar que os braquetes estéticos, sejam eles de cerâmica ou policarbonato, também servem como alternativa para pacientes com alergia ao níquel. Está disponível no mercado brasileiro um fio ortodôntico estético totalmente livre de metais – pois é um polímero – e, da mesma forma, serve como uma alternativa, nos estágios iniciais de tratamento, para pacientes com alergia ao níquel. É de extrema importância ressaltar também que o uso de acessórios reciclados não é recomendado, uma vez que esse tipo de material apresenta uma maior liberação de íons para o ambiente bucal, quando comparada à dos braquetes novos.

Látex

É alta a prevalência da hipersensibilidade ao látex, em virtude da sua ampla utilização em produtos manufaturados contendo borracha. De acordo com Weiss e Hirshman, o advento da vulcanização – por Charles Goodyear, em 1839 – levou à aplicação do látex em mais de 40.000 itens, tais como: produtos odontológicos (luvas, máscaras, borrachas de isolamento e acessórios ortodônticos), equipamentos médicos (luvas, catéteres, tubos, implantes e próteses), luvas de uso doméstico, balões e bolas, preservativos, adesivos, chupetas, carpetes, calçados, capachos e equipamentos esportivos.

Na literatura, diversos são os relatos de reações ao látex. Em geral, aparecem em jovens, sendo muito frequentes nos adultos em profissões de risco, como Odontologia e outras profissões da área de Saúde, com maior prevalência em mulheres. Segundo Fisher, 7% dos profissionais (médicos, enfermeiras e dentistas) manifestam uma reação alérgica tardia (dermatite de contato), enquanto 3% mostram uma reação imediata. Devido ao grande número de relatos de reações adversas ao látex, em 1993 foi regulamentado que os rótulos de produtos médicos contendo látex devem indicar sua presença.

O látex é basicamente composto de moléculas grandes, que não parecem provocar alergias, sendo o poli-isopreno o principal constituinte da borracha, além de proteínas, que perfazem um total de 2 a 3% do produto final. Por outro lado, substâncias de baixo peso molecular, como aditivos, antioxidantes e vulcanizadores – comumente utilizados na manufatura da borracha e responsáveis pelas propriedades finais desejadas – são, muitas vezes, responsáveis pela sensibilização. Esses aditivos são frequentemente liberados da borracha, principalmente luvas e botas, em ambiente morno e úmido.

Resinas acrílicas

As resinas acrílicas são, também, amplamente utilizadas na Ortodontia, nos aparelhos removíveis, de contenção e/ou aparelhos fixos auxiliares. Desde a década de 60, existem relatos de hipersensibilidade às resinas acrílicas, sendo, na grande maioria dos casos, associados à presença de um alto conteúdo de monômero de metilmetacrilato residual. Em função disso, diversos autores procuraram quantificar o conteúdo desse monômero residual. Além do metilmetacrilato, podem-se citar também outros componentes de baixo peso molecular – tais como formaldeído, peróxido de benzoíla e plastificantes como dibutil-ftalato – que podem ser considerados fatores desencadeadores das reações de hipersensibilidade.

Quando as reações são localizadas, pode-se utilizar medicamentos contendo anti-inflamatórios esteroides, para alívio das reações inflamatórias. Entretanto, o conforto efetivo só é alcançado após remoção do fator etiológico, o que muitas vezes significa buscar materiais alternativos, para evitar o contato com o material desencadeador da reação de hipersensibilidade. Algumas possibilidades em Ortodontia seriam utilizar aparelhos confeccionados somente com metais ou, nos casos de aparelhos de contenção, substituir por contenções coladas. Além disso, estão disponíveis no mercado internacional as resinas acrílicas fotopolimerizáveis, dificilmente encontradas no mercado brasileiro.

Resinas compostas

A presença de monômeros não polimerizados, oriundos das resinas compostas utilizadas durante os procedimentos de colagem ortodôntica, também pode ser considerada fator etiológico no aumento da frequência das reações imunológicas adversas em Ortodontia. Assim como ocorre com as resinas acrílicas, a reação de polimerização das resinas compostas pode permanecer incompleta por tempo indefinido, logo, moléculas de monômero livre de trietileno glicol metacrilato (TEGDMA) ou 2-hidroxi-etil-metacrilato (HEMA) podem ser diretamente responsáveis pelas reações de citotoxicidade e hipersensibilidade ocasionadas por esse material. Nesse aspecto, pode-se ressaltar o contato dos tecidos gengivais com os primers de colagem, compostos essencialmente por monômeros não-polimerizados, que pode levar a um aspecto inflamatório gengival. Vande Vannet e Hanssens comprovaram que os primers apresentam alta toxicidade quando comparados às resinas de colagem de acessórios ortodônticos previamente polimerizadas.

Diante do exposto, conclui-se que é de fundamental importância o conhecimento por parte do ortodontista sobre a composição dos materiais que utiliza na sua rotina clínica, bem como a possibilidade dos mesmos ocasionarem reações a si mesmo e aos seus pacientes. Frente à ocorrência de uma reação alérgica, o profissional deve ter condições de dar o devido suporte e encaminhamento a tal situação, trabalhando em conjunto com áreas associadas, especialmente a Dermatologia, oferecendo ao paciente a melhor solução. Nesse aspecto, é de grande valia a proposição de materiais alternativos, priorizando a saúde geral do paciente.


Link do Artigo na Integra via Scielo:

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