ORTODONTIA CONTEMPORÂNEA: Anomalias dentárias associadas: o ortodontista decodificando a genética que rege os distúrbios de desenvolvimento dentário

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Anomalias dentárias associadas: o ortodontista decodificando a genética que rege os distúrbios de desenvolvimento dentário






Neste artigo de 2010, publicado pelo Dental Press Journal Orthodontics, pelos autores Daniela Gamba Garib, Bárbara Maria Alencar, Flávio Vellini Ferreira, Terumi Okada Ozawa; do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais e Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo, Bauru/SP e do curso de mestrado em Ortodontia da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), São Paulo/SP. Versa sobre o diagnóstico e a abordagem ortodôntica das anomalias dentárias, enfatizando os aspectos etiológicos que definem tais irregularidades de desenvolvimento.

Caracterizada por complexos e precisos processos biológicos de substituição de dentes decíduos por dentes permanentes, a dentadura mista representa uma das manifestações de perfeição da natureza. Mas, como todo curso natural, o desenvolvimento da dentição pode mostrar algumas imperfeições e, no transcorrer da dentadura mista – com certa frequência –, o profissional depara-se com irregularidades odontogênicas: as anomalias dentárias. As anomalias expressam-se com distintos graus de severidade. Da manifestação mais branda para a mais severa – representadas, respectivamente, desde o atraso cronológico na odontogênese até a ausência completa do germe dentário ou agenesia –, existe uma miríade de expressões, compreendendo as microdontias, os desvios na morfologia dentária e as ectopias. Este artigo volta-se aos erros da natureza aplicados ao desenvolvimento da dentição, discutindo a etiologia das anomalias dentárias, os detalhes para um acurado diagnóstico, assim como algumas condutas terapêuticas no intento de interceptálas em época conveniente.

Quando uma determinada irregularidade mostra uma prevalência aumentada em famílias de pacientes afetados, comparado às prevalências esperadas para a população em geral, credita-se à
genética uma influência predominante na etiologia do problema. O prognatismo mandibular da família imperial austro-húngara Hapsburg representa o mais clássico exemplo de característica genética de interesse ortodôntico, em humanos, transmitida por sucessivas gerações. Muitas das anomalias dentárias discutidas durante esse estudo mostraram prevalências aumentadas em famílias de pacientes afetados. Atualmente, a leitura do código genético pode isolar genes mutantes em famílias, desde que diversos membros expressem a mesma irregularidade.

Gêmeos monozigóticos compartilham códigos genéticos idênticos. Portanto, as características geneticamente definidas expressam-se em ambos os gêmeos monozigóticos de maneira semelhante. Quando se constata uma alta concordância para uma determinada irregularidade, em pares de gêmeos homozigóticos, conclui-se que a genética consiste na etiologia primordial de tal anormalidade. Diferentemente, gêmeos heterozigóticos, por apresentarem genótipos distintos, manifestam baixo índice de concordância para a mesma irregularidade. Estudos prévios com gêmeos constituem importantes evidências sobre o caráter genético de determinadas anomalias dentárias.

A agenesia dentária constitui a anomalia de desenvolvimento mais comum da dentição humana, ocorrendo em aproximadamente 25% da população. O terceiro molar representa o dente mais afetado por essa anomalia, exibindo uma prevalência de 20,7%. Excluindo-se os terceiros molares, a prevalência de agenesia é de aproximadamente 4,3 a 7,8%. A ausência dos terceiros molares ainda não pode ser confirmada devido à idade prematura. Os segundos pré-molaresinferiores representam os dentes mais comumente ausentes, seguidos pelo incisivo lateral superior e pelos segundos pré-molares superiores. Em pacientes leucodermas, a ocorrência da agenesia dentária poderia ser classificada como: comum, quando afeta os segundos pré-molares inferiores, os incisivos laterais superiores e os segundos prémolares superiores; menos comum, que inclui, em ordem decrescente de ocorrência, os incisivos centrais inferiores, os incisivos laterais inferiores e primeiros pré-molares superiores, caninos superiores e segundos molares inferiores; e raras, compreendendo, em ordem decrescente de frequência, a agenesia de primeiros e segundos molares superiores, caninos inferiores, primeiros molares inferiores e incisivos centrais superiores.

As agenesias, frequentemente, associam-se a microdontias. A redução no tamanho dentário representa uma expressão parcial do mesmo defeito genético que define a agenesia. Isso explica a clássica associação entre a agenesia unilateral do incisivo lateral superior e a microdontia do dente contralateral. Aproximadamente 20% dos pacientes com agenesia de segundos pré-molares também apresentam microdontia dos incisivos laterais superiores.

Uma transposição quase sempre incompleta entre o incisivo lateral e o canino inferiores resulta da erupção ectópica do incisivo lateral para distal, durante o primeiro período transitório da dentadura mista. Nessa circunstância, o dente ectópico é o incisivo lateral. O canino permanente mantém-se em seu trajeto eruptivo normal. O incisivo lateral inferior permanente, quando “erra” o seu trajeto eruptivo, desloca-se para distal, com uma marcante angulação de seu longo eixo de modo que a coroa desloca-se para distal (geralmente com rotação mesiolingual), chocando-se contra e reabsorvendo a raiz do primeiro molar decíduo, enquanto o ápice radicular localiza-se próximo à sua posição normal. No final do segundo período transitório da dentadura mista – quando o problema não é interceptado –, o canino inferior, geralmente em sua posição normal na arcada dentária, ao irromper define a transposição dentária.

Os caninos superiores representam os dentes que se formam mais distantes da arcada dentária, ladeando a cavidade piriforme e, portanto, desenham o trajeto mais longo de erupção dentre todos os dentes permanentes. Por isso também apresentam a raiz mais longa, comparativamente a toda a dentição permanente. Enquanto se movimentam em direção à cavidade bucal, sua coroa volumosa atravessando o estreito rebordo alveolar superior pode ser palpada sob a mucosa vestibular, acima dos caninos decíduos. Quando essa palpação é positiva, significa que esses dentes apresentam um excelente prognóstico de erupção espontânea. No entanto, em aproximadamente 1,5% da população, os caninos assumem uma trajetória ectópica de erupção, desviando-se para palatino em relação aos incisivos laterais. Ao encontrar uma cortical óssea densa, recoberta por uma mucosa palatina espessa e fibrosa, acabam ficando retidos.

A ectopia mais comumente observada nos segundos pré-molares inferiores refere-se à distoangulação do germe. Tal ectopia relaciona-se com a agenesia do segundo pré-molar inferior homólogo. Shalish et al., numa amostra de pacientes com agenesia unilateral dos segundos pré-molares inferiores, observaram que o germe do dente contralateral apresentava-se em média 10º mais angulado para distal, em comparação a um grupo controle sem agenesias. Concluíram, assim, que a distoangulação dos segundos pré-molares inferiores representa um diferente fenótipo ou uma expressão mais branda do mesmo defeito genético que ocasionou a agenesia. Esse tipo de associação assemelha-se muito ao clássico quadro clínico composto pela observação da microdontia do incisivo lateral superior em pacientes com agenesia unilateral do referido dente.

A infraoclusão dos molares decíduos acomete aproximadamente 8,9% das crianças e caracteriza-se pela localização da face oclusal dos molares em questão aquém do plano oclusal. Sugere-se que
a infraoclusão dos molares represente uma consequência da anquilose dentária. Em algum ponto da raiz, uma ponte de tecido mineralizado substitui o espaço do ligamento periodontal, unindo osso alveolar e cemento. A partir desse momento, o dente inapto a desenvolver-se no sentido vertical vai ficando progressivamente em infraoclusão, à medida que a face cresce.

Conclusão
A implicação clínica do padrão de anomalias dentárias associadas é muito relevante, uma vez que o diagnóstico precoce de uma determinada anomalia dentária (como a agenesia de um segundo pré-molar ou a presença de um incisivo lateral superior cônico) pode alertar o clínico da possibilidade de desenvolvimento de outras anomalias associadas no mesmo paciente ou em outros membros da família, permitindo o diagnóstico precoce e a intervenção ortodôntica em tempo oportuno.


Link do artigo na integra via Scielo:

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