ORTODONTIA CONTEMPORÂNEA: Postura e Disfunção Temporo-Mandibular: Controvérsias Atuais

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Postura e Disfunção Temporo-Mandibular: Controvérsias Atuais



Neste artigo de 2008, publicado pela Revista Portuguesa de Estomatologia,Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial, pelos autores Rita Grade, João Caramês, Ana Pragosa, José Carvalhão, Sérgio Sousa; da disciplina de Gnatofisiologia, Oclusão e Disfunção Temporo-Mandibular e Clínica de Reabilitação Oral da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa - Portugal; Busca averiguar se existe, na atualidade, consenso entre os vários autores sobre a relação entre a DTM e as DCE.

As desordens temporomandibulares, também conhecidas pelo termo disfunção temporomandibular (DTM), constituem um grupo de patologias que afectam os músculos mastigadores, a ATM (articulação temporomandibular) e/ou estruturas associadas. A incidência deste tipo de disfunção tem vindo a aumentar consideravelmente, calculando-se que na atualidade 50 a 75% da população exibe pelo menos um sinal e 25% tem sintomas associados.

Do mesmo modo, as alterações morfológicas do sistema locomotor (DCE), decorrentes dos hábitos posturais e da idade, constituem nos dias de hoje uma das mais graves doenças no grupo das doenças crónico-degenerativas.

Qualquer dos tipos de disfunção pode ser altamente debilitante para o paciente, sendo que, no caso da DTM, os sinais e sintomas podem variar entre: dor, cefaleias, ruído articular; alterações da dinâmica mandibular, desvios e deflexões, restrição dos movimentos e alterações do tônus muscular. Verifica-se ainda que a prevalência é maior em mulheres, bem como adultos com idades compreendidas entre os 15 e os 45 anos.

A hiperatividade muscular corresponde a 80% da etiologia da DTM e tem por sua vez como principal causa a prática de hábitos parafuncionais que são agravados pelo stress emocional. Outras causas são alterações na oclusão, condições sistémicas e, nos últimos anos, alguns autores têm vindo a apontar as alterações posturais, como potencial factor etiológico ou perpetuante da DTM.

A ATM representa a ligação da mandíbula à base do crânio, que por sua vez apresenta conexões musculares e ligamentares com a região cervical. Juntos formam um sistema funcional denominado sistema crânio-cervico-mandibular. Devido à íntima relação existente entre estes dois sistemas, iniciaram-se estudos com o objetivo de confirmar que alterações posturais da cabeça e restantes partes do corpo poderiam levar a um processo de desvantagem biomecânica da ATM e, consequentemente, a um quadro de DTM.

Em 1947, o relatório do Comité de Postura da Associação Americana de Cirurgiões Ortopédicos, definiu postura como o arranjo relativo das diferentes partes do corpo. Uma boa posturaseria definida por um estado de equilíbrio do sistema esquelético e muscular que protege as estruturas de suporte do corpo contra as lesões ou progressiva deformidade, independentemente da atitude em que estas estruturas estão a trabalhar (deitado, de pé…). Em tais condições os músculos vão funcionar de forma eficiente e posições óptimas são assumidas para os órgãos toráxicos e abdominais. A má postura seria aquela em que há uma relação defeituosa entre as várias partes do corpo, o que produz um aumento do esforço nas estruturas de suporte e um equilíbrio menos eficiente na sua base de sustentação. No entanto esta definição pode ainda ser considerada incompleta, não realçando a importância do movimento e a facilidade com que se passa de uma posição para outra. Para Gelb o alinhamento é apenas um dos determinantes da Postura, embora
talvez o mais importante, no entanto uma abordagem estática da postura, para este autor, torna impossível a análise do sistema somático.

O renovado interesse que suscitou este tema nos últimos anos, provavelmente na tentativa de ir ao encontro das necessidades de uma população com elevado nível de sedentarismo e cada vez mais envelhecida, fez com que evoluíssem os métodos de diagnóstico e que se iniciassem esforços no sentido de promover a consciencialização da população para as consequências da perpetuação dos maus hábitos posturais. A investigação nesta área e a cooperação entre profissionais ligados a áreas da Fisioterapia, Medicina e Medicina Dentária, tem contribuído para alimentar a hipótese de uma correlação entre as DCE e alterações ao nível do sistema estomatognático.

Em 1950, foi publicado um dos primeiros estudos, no qual Brodie afirmava que a posição de repouso da mandíbula é determinada pelo equilíbrio muscular existente entre os músculos da mastigação e os músculos cervicais posteriores, concluindo que esse equilíbrio muscular é uma função da manutenção postural da cabeça. Mohl concluiu que a postura da cabeça era a condição que maior efeito imediato tinha na posição de repouso mandibular. Em 1959, Brill explica como a extensão da cabeça aumenta o espaço livre interoclusal, alterando a posição de repouso.

A reciprocidade desta relação é abordada nos estudos de Daly, nos quais verifica que o aumento da dimensão vertical de repouso provoca a extensão do crâneo em 90% dos casos. No ano seguinte Tallgreen reafirma que a dimensão vertical de repouso está directamente relacionada com a posição da cabeça e do osso hióide. Em 1984, Darling afirma que a determinação errada desta dimensão, em doentes com má postura, pode levar a apertamento dentário, disfunção da ATM, dor e perda de estética facial.

A utilização de instrumentos auxiliares como a electromiografia, radiografias e outros métodos de avaliação postural permitiu reunir mais evidências para corroborar a hipótese já avançada por Mohl de que a postura da cabeça e pescoço tem o efeito mais imediato na posição de repouso da mandíbula. Por outro lado, estudos também sugerem que a melhoria da relação côndilo-fossa tem resultados benéficos na postura ou mesmo que alterações a nível oclusal podem estar directamente relacionados com desordens posturais. Kibana, em 2002, foi outro dos autores a sugerir que a perda de suporte oclusal posterior, unilateral e bilateralmente, levariam não só a mudanças na posição mandibular, mas também a alterações na postura da cabeça.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Bricot foi outro dos autores a sustentar que distúrbios do aparelho estomatognático, como a hiperatividade muscular, levam a anteriorização cérvico-escapular. A actividade aumentada dos músculos da mastigação interfere na musculatura de contra-apoio (esternocleidomastoideo, trapézio…) levando ao encurtamento dos músculos posteriores do pescoço e alongamento dos anteriores, promovendo uma projeção anterior do corpo que ultrapassa o quadrilátero de sustentação. Simultaneamente, a posição anterior da cabeça irá provocar distúrbios de posicionamento e funcionamento mandibular, levando a uma crescente tensão na musculatura mastigadora e, consequentemente, DTM.

FHP – Forward Head Posture ou Posição Anterior da Cabeça; Segundo Urbanowicz (1991), na FHP dá-se uma extensão do ocipital sobre o atlas e do atlas sobre o áxis o que provoca um compromisso da mobilidade. Há uma diminuição da lordose cervical e um aumento da cifose toráxica, observando-se, ao mesmo tempo, a elevação e protrusão dos ombros, alteração da posição de repouso da mandíbula e respiração toráxica superior, o que aumenta a hiperactividade nos músculos acessórios da respiração e respiração bucal com perda de posição de repouso para a língua. Segundo o mesmo autor, a fadiga que os pacientes com DTM frequentemente se queixam pode ser atribuída, em parte, ao efeito da gravidade na FHP, o que causa uma tensão muscular crescente e forças compressivas nos tecidos moles, apófises articulares e superfícies posteriores dos corpos vertebrais, com excessivo alongamento dos flexores do pescoço e encurtamento dos extensores. Por último, o autor refere o encurtamento dos músculos sub-occipitais e supra-hioideos, com alongamento dos infra-hioideos e elevação do osso hioide. Numa segunda fase, pode dar-se extensão da cabeça, numa tentativa de nivelar o plano ocular e melhorar a respiração, o que leva a um aumento da lordose cervical.

O fato de se verificar uma correlação entre o tipo de oclusão do individuo e a sua postura, bem como as já referidas alterações no sistema estomatognático, relacionadas com a FHP, fez com que alguns autores discutissem a possibilidade de modificar a relação disfuncional entre componentes do triângulo cervical, através do uso de aparelhos orais. Estudos de Rocabado corroboram esta hipótese. Mas Rocabado não foi o único a sugerir o tratamento das DCE com terapia oclusal, Chessa em 2001, também verificou melhorias no alinhamento postural de pacientes que apresentavam os dois tipos de disfunção, após tratamento da DTM com placas de resina acrílica. Huggare e Raustia chamaram a atenção para a influência recíproca entre as duas desordens, uma vez os seus estudos suportam a associação entre DTM, postura da cabeça e morfologia crânio-facial, tendo obtido algum grau de correcção do alinhamento postural após 6 meses de tratamento à base de exercícios para mandíbula, ajuste oclusal e aparelhos oclusais.

Apesar dos inúmeros estudos publicados e das evidências apresentadas, continuam a existir dificuldades em chegar a uma conclusão definitiva sobre esta matéria, devido à controvérsia existente, o que por sua vez impede o clínico de valorizar a possibilidade dos desequilíbrios posturais agirem como agentes etiológicos ou perpetuantes da DTM. A verdade é que existem autores que sustentam que os efeitos encontrados a curto prazo, nos estudos que corroboram essa hipótese, não dão indicações do desenvolvimento de dor crónica no sistema mastigatório, como resultado de má postura. Outros estudos referem que a correlação encontrada entre DTM e as desordens posturais se limita ao tracto crânio-cervical, não se estendendo à postura corporal, pelo que não aconselham o tratamento de desequilíbrios posturais com terapia oclusal ou vice-versa, sobretudo tratando-se de tratamentos irreversíveis.

Na ausência de fortes indícios que apontem para uma correlação significativa, há que tomar decisões, baseando-nos nas evidências de que dispomos, o que se traduz na necessidade de uma abordagem biomecânica global (que inclui o corpo como um todo) quando procedemos ao exame e elaboração do plano de tratamento do paciente com disfunção temporo-mandibular. É aconselhável um exame postural cuidadoso em pacientes que não respondem às terapias oclusais conservadoras, ou quando uma cefaleia ou dor da região oro-facial não pode ser explicada clinicamente sobre uma base patológica ou por uma DTM. A coordenação entre especialistas das várias áreas, nomeadamente da Medicina Dentária e Fisiatria deve ser procurada, de forma a proporcionar o melhor tratamento aos pacientes com disfunção.


Link do artigona integra via SPEMD:

2 comentários:

  1. Muito bom o artigo, dois fatores que também são decisivos na relação da ATM com a postura corporal são a mastigação unilateral e posição de dormir, (travesseiros, colchão), abraços.
    Rodolfo Botan
    Cirurgião Dentista.

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  2. ...e qual a relação entre a utilização de aparelhos de ortodontia com objectivos estéticos e disfunções posturais??
    Com o crescente aumento desta solução em atletas, haverá alguma relação( negativa!!) na performance desportiva??
    Muito obrigado
    José T.

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