Neste artigo de 2011, publicado pelo Dental Press Journal Orthodontics, pelos autores Cauby Maia Chaves Junior, Cibele Dal-Fabbro, Veralice Meireles Sales de Bruin, Sergio Tufik, Lia Rita Azeredo Bittencourt; da Disciplina de Ortodontia – Depto. Clínica Odontológica - Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Depto. Psicobiologia - Medicina e Biologia do Sono – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). Explicita o posicionamento das sociedades médicas que, reu- nidas, estabeleceram consenso sobre os parâmetros clínico-laboratoriais que envolvem os distúrbios respiratórios do sono, em especial o ronco e a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS).
Os distúrbios do sono podem ser agrupados e classificados de diversas formas. Já foram realizadas três classificações e, atualmente, segue-se o manual da classificação internacional dos distúrbios do sono da Academia Americana de Medicina do Sono publicado em 2005 (ICSD-2, 2005). Duas outras classificações precederam essa, a de 1979 e a de 1990, sendo essa última revisada em 1997. Os distúrbios do sono são classificados em oito grupos, sendo a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) classificada dentro do grupo II, como um distúrbio respiratório relacionado ao sono, ao lado da síndrome da apneia central do sono, e das síndromes de hipoventilação/hipóxia relacionadas ao sono.
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono são prevalentes, mas nem sempre diagnosticados ou tratados adequadamente. A SAOS é uma das entidades clínicas mais encontradas na população e suas consequências envolvem sonolência excessiva e risco de acidentes de trabalho e de trânsito, além de déficits cognitivos e doenças cardiovasculares.
No ano de 2007, por iniciativa da Associação Brasileira do Sono, juntamente com a Academia Brasileira de Neurologia, a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica, buscou-se uniformizar no Brasil o diagnóstico e tratamento da SAOS em adultos, crianças e adolescentes. A Odontologia foi representada por três cirurgiões-dentistas pesquisadores da área de sono convidados pela Associação Brasileira de Sono.
Várias reuniões entre os membros das referidas sociedades e investigações em estudos da literatura médica nortearam as recomendações deste consenso.
Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono são classificados em: Síndrome da Apneia Central do Sono (SACS), Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), Síndromes de Hipoventilação/Hipóxia relacionadas ao sono, Síndromes de Hipoventilação/Hipóxia relacionadas ao sono devido a condições médicas, e outros Distúrbios Respiratórios do Sono. Alguns desses distúrbios, como a SACS e as Síndromes de Hipoventilação, possuem subtipos que não são o foco desse texto, além disso, são entidades clínicas em que o ortodontista não tem atuação. Sendo assim, a ênfase maior será dada à SAOS e aos distúrbios respiratórios nos quais o ortodontista tem atuação efetiva.
O ronco primário é definido, segundo a Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD-2), como a presença de ruído característico de ronco durante o sono, na ausência de alterações na saturação da oxihemoglobina, nas variáveis das medidas ventilatórias e no eletroencefalograma. O ronco, assim como a presença de apneias, pode ser exacerbado após a ingestão de álcool ou do aumento de peso.
Na SAOS, a obstrução na via aérea ocorre concomitantemente ao esforço respiratório contínuo com inadequada ventilação. As formas do adulto e da criança são identificadas separadamente por possuírem diferentes formas de diagnóstico e tratamento. A abordagem do presente texto será direcionada para a SAOS em adultos, onde a síndrome é mais prevalente.
SAOS no Adulto
É caracterizada por episódios repetidos de obstrução completa ou parcial da via aérea durante o sono. Esses eventos, frequentemente, resultam em reduções na saturação sanguínea de oxigênio e despertares associados ao seu término. Por definição, esses eventos devem durar pelo menos 10 segundos e podem ocorrer em qualquer estágio do sono, porém são mais comuns nos estágios N1 (estágio 1 do sono não REM), N2 (estágio 2 do sono não REM), R (sono REM) do que no N3 (estágio 3 do sono não REM, ou sono de ondas lentas). Quando ocorrem no sono REM, em geral são mais longos e associados à dessaturação mais grave. A saturação de oxihemoglobina geralmente volta aos valores de normalidade após o retorno da respiração normal.
Os sintomas mais comuns são o cansaço ao acordar e a sensação de sono não reparador (independentemente da duração do sono), sonolência excessiva durante o dia e piora na qualidade de vida. O companheiro de quarto relata ronco, episódios de engasgo ou parada respiratória, além de movimentos frequentes que interrompem o sono.
Diagnóstico
O estudo polissonográfico (PSG) de noite inteira, realizado no laboratório sob supervisão de um técnico habilitado em polissonografia, constitui o método diagnóstico padrão para a avaliação dos distúrbios respiratórios do sono (nível de evidência I). Recomenda-se um registro de pelo menos 6 horas, com a monitorização mínima dos seguintes parâmetros:
• eletroencefalograma: eletrodos F3, C3, O1 e com referência na mastoide contralateral;
• eletro-oculograma esquerdo e direito;
• eletromiograma da região mentoniana;
• eletromiograma de membros inferiores (músculo tibial anterior bilateralmente);
• fluxo aéreo nasal e oral registrado por sensores do tipo termístor ou termopar;
• registro de pressão nasal obtido por transdutor de pressão;
• registro do movimento torácico e abdominal por meio de cintas de indutância e piezo-elétricas;
• eletrocardiograma;
• oximetria digital;
• registro de ronco com microfone traqueal;
• registro de posição corporal.
Tratamento com aparelhos Intra-Orais
Os aparelhos intra-orais (AIO) se constituem em uma opção, com altos níveis de evidência, para tratamento dos distúrbios respiratórios do sono. Os tratamentos com aparelhos de pressão positiva na via aérea (como o CPAP), tratamentos cirúrgicos de tecidos moles faríngeos e/ou esqueléticos faciais também fazem parte do arsenal terapêuticopara os distúrbios respiratórios que acontecem durante o sono. Essas modalidades de tratamento não serão abordadas aqui, pois os ortodontistas utilizam como ferramenta terapêutica principalmente os aparelhos intra-orais.
Dessa forma, fica bem definido o papel do cirurgião-dentista para:
Reconhecer um possível distúrbio do sono e/ou fatores de risco associados, orientar e recomendar apropriadamente o paciente e encaminhar ao médico.
Solicitar exame polissonográfico quando julgar necessário.
Iniciar e monitorar o tratamento com AIO como parte da conduta conjunta com o médico.
Monitorar e tratar potenciais efeitos colaterais dos AIOs.
Realizar o acompanhamento em longo prazo do paciente em tratamento com AIO.
Estar envolvido em equipes multidisciplinares no manejo cirúrgico dos pacientes com distúrbios respiratórios do sono, em especial quando houver necessidade de cirurgia ortognática.
Trabalhar em crianças ou adolescentes de forma preventiva ou interceptora, promovendo crescimento ósseo adequado para minimizar os componentes anatômicos de um quadro futuro de ronco e SAOS; ou em crianças já diagnosticadas com ronco ou SAOS, realizando tratamento ortodôntico-ortopédico facial indicado.
Conclusões
O ortodontista que atua ou pretende atuar na área de sono precisa, fundamentalmente, conhecer em profundidade os parâmetros de diagnóstico clínico-laboratoriais adotados, as definições estabelecidas e os limites de sua área de atuação junto às equipes multidisciplinares que acompanham e tratam distúrbios respiratórios do sono.
O ortodontista pode solicitar avaliação polissonográfica quando julgá-la necessária, sendo o diagnóstico definitivo dos distúrbios do sono, de sua gravidade e a avaliação das comorbidades atribuições do médico, com base nos achados polissonográficos. O ortodontista é muito importante na identificação de sítios obstrutivos faríngeos, na avaliação e tratamento ortopédico e/ou cirúrgico das desarmonias maxilomandibulares, bem como na terapia da SAOS com aparelhos intra-orais.
Link do artigo na Integra via Scielo:
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